Sem saber que ias embora
Sorri-te enlevada.
Toda a alma no agora
Por me sentir tão amada.
Em mim este doce anseio
Vibrando o ser no enleio
De amar e ser amada.
E tu, já de partida...
E a tua voz, calada...
A tua alma fugida
Já de mim apartada.
Entre nós um bloqueio
E eu, cega, sem receio,
A dar-me por inteiro.
A acolher-te em meu seio
Vibrando com o teu cheiro
Bebendo o teu olhar
Como a noite o luar.
Como na noite acontece
Veio a escuridão
Do teu desinteresse
Tomar-me de supetão.
Ferir-me sem que eu pudesse
Defender-me. Despojada
Mais perdida que achada.
o tempo
não sei se corre
se escorre
se desliza
se escorrega
se resvala
se derrapa
se pinga
se se desvia
não sei...
só sei que
célere passa
se apaga
desaparece
nos foge e logo recomeça.
Conceição Paulino
S. Mamede de Infesta, Sexta-feira, 27 de Novembro de 2009
Esta uma brincadeira escrita quando ao escrever um e-mail a um amigo percebi que mais uma semana chegava ao fim.
Esta semana a palavra no Fotodicionário foi esta: PARQUE. Se fores até lá verás um conjunto de representações fotográficas como é usual.
Colaborei com a colagem abaixo e escrevi dois poemas.
parque
no parque a criança brinca
balouça rodopia escorrega
cai levanta-se. recomeça
a corrida. no parque
explora o mundo e
os seus limites.
descobre-os.
mais amplos a cada dia.
no parque as latas
sobre rodas dormem.
dormitam hipnotizadas
enfeitiçadas
drogadas pelos tóxicos gases
de que se alimentam.
aguardam os humanos
que as ligam
lhes dão corda.
esperam
trepidantes as vísceras.
no parque há um lago
no lago os cisnes deslizam.
um eleva o corpo
abre as imensas asas
estica o já longo pescoço
e canta a vida e a beleza.
num banco
do parque os namorados
olham-se
entrelaçam as mãos
unem as bocas
e sorvem o mel.
no parque a criança desliza
escorrega testa-se
e ri da descoberta.
num banco do parque
a mãe fita o filho
que balouça
cabelos ao vento
e sorri grata
pela harmonia
que vê ao seu redor.
no parque, entre a sombra
das copas das velhas árvores,
as crianças que já foram,
agora |como as árvores
da sua meninice| velhos,
ocupam os dias.
jogam ao dominó
às cartas. miram,
de soslaio, as mulheres
que passam,
as jovens meio desnudas
e sentem um frisson
correr-lhes no sangue,
avivar corpo e memórias
latejando vida.
no parque, entre pombas,
canteiros, árvores,
flores, crianças que brincam,
velhos que se ocupam
iludindo esperas,
mães que cuidam
a vida flui serena.
nas margens do parque,
as latas com rodas,
agora animadas,
rugem largando fumaça.
Pais e filhos uma unidade.
Harmonia e caos, amálgama.
Eterno jogo da verdade
Em que sofre quem mais ama.
Genes, sangue e fibra vibram,
Abrem caminhos diversos
Onde se desequilibram
E tortos ficam seus versos
Que afinal é seu viver
E se os filhos se perdem
Por atalhos, é bom de ver,
Sofrem os pais também.
E é um sofrer sem fim
Sem retorno nem perdão
Pois o pai se crê ruim
De pronto lhe foge o chão.
Não é fácil não senhor
Mas há que não esquecer
Que podemos dar amor
Não seu caminho escolher.
Solidária com o poeta L. F. P. eseu filho B.P.
Conceição Paulino
Domingo, 1 de Novembro de 2009
e em meu olhar.
Este fim-de-semana fui ao Alentejo. Fui a Viana do Alentejo na qualidade de apresentadora do último livro do amigo e poeta José-Augusto de Carvalho, intitulado "o meu Cancioneiro".
Aqui vos deixo excertos do texto base da apresentação desejando que vos estimule á leitura deste poeta.
«Ao lermos um livro há sempre muito do autor - da pessoa que é - que para nós passa. Que captamos – assim o julgamos. (...)
José-Augusto de Carvalho é, em minha opinião, um homem fora do tempo.
(...)é um homem de valores, convicções e...palavra. Daí o desfasamento (...)Sabe, acima de tudo, o sentido e o valor da “alteridade”.
Sabe que ele é o outro, da mesma forma que o outro é, ou pode ser, a qualquer momento, ele/cada um de nós. (...)os seus sonhos e projectos são-no no colectivo.
(...) Fernando Pessoa afirmou que a poesia é uma forma de prosa em que se cria um ritmo artificial, através de: 1) pausas especiais - diferentes das que a pontuação define embora por vezes possam coincidir; 2) escrita do texto em linhas separadas, denominadas versos. Desta forma o autor/poeta cria 2 tipos de sugestões características à escrita poética: 1) sugestão rítmica/métrica, de cada verso por si; 2) sugestão tónica incidindo na última - ou única palavra do verso (se for o caso).
porque sente o poeta a necessidade de criar um ritmo artificial?
– porque a emoção intensa não cabe numa simples palavra.
Daí a necessidade de criar uma musicalidade rítmica exterior à palavra – só por si – mas, que desta forma é contida no verso, no poema. Como se num cálice.
(....)Toda a ideia perfeitamente concebida é rítmica, por si e em si, e é isso que José-Augusto de Carvalho, mais uma vez, nos oferece com este Cancioneiro.
O ritmo, a rima, a estrofe são instrumentos disciplinadores da emoção de forma a exprimi-la não na forma tumultuada que é própria das emoções, mas num grau superior de controlo imposto pela disciplina destes três elementos. (...)Neste Cancioneiro, José-Augusto de Carvalho pega, com mestria, nas quadras em redondilha, maior e menor, nas estrofes e nas sextilhas, usa sabiamente o ritmo e a métrica para, numa linguagem actual, entrosar passado, presente e futuro deste povo que somos.
Os grandes momentos definidores da nossa identidade – porque é disso que se trata nesta obra aqui ofertada a todos - de reconhecer, aceitar, acarinhar e manter a nossa identidade que de Castela nos separou – são abordados:
desde as batalhas, Álcacer-Quibir; Salado; Aljubarrota; às cruzadas –fora e dentro do espaço que hoje constitui o Portugal luso (ver p:40 -Cantiga de amigo: “A dívida” em que enuncia as batalhas Aquém Tejo e Além do Tejo – dado que a Portugalidade se estende por muitos continentes -aos nossos mitos e lendas;ao Bandarra e sua adivinhação;aos milagres estruturantes da nossa cultura.
Dedica o poema “Quase uma oração: 42” a um tema tão português como “SAUDADE”. Desmonta o conceito em várias das suas vertentes, ou dimensões. “Saudade palavra linda...”, mas linda, porquê?
Porque alimenta a esperança do retorno e do reencontro. Mas o mesmo sentimento, saudade, cria ansiedade, desesperança, angústia:
“ ...E a desventura detenha/ p’ra que no peito eu mantenha/a bater, meu coração(...)”
na última estrofe deste poema pede alento a Deus, pois a dor é tão grande que se torna destruidora. O autor implora que este sentimento se transforme. Mostra-nos a saudade como algo potencialmente transformador:
“ Ai, que esta dor que alimento/seja, na massa o fermento/do pão da vossa clemência.”
(...) Neste belo cancioneiro, do intimismo da alma, num registo mais pessoal ressoa forte um grito humano e social a que não podemos ficar indiferentes se queremos que A VIDA SEJA VIDA e não seja um qualquer ZAGAL a comandar-nos.
Conceição Paulino
esta é a terra. tecido de luz . diáfanos
e transparentes fios |entrelaçados| urdem
uma palete de castanhos vermelhos
ocres e brancos
pendentes à beira
dum insondável e brilhante mistério
läzurd.
luzeiro encastoado numa porção
olvidada de um país. uma nação.
Conceição Paulino